DESPACHO: Trata-se de argüição de descumprimento de preceito fundamental, ajuizada pelo Partido Popular Socialista – PPS, na qual se postula seja declarada, pelo Supremo Tribunal Federal, “a não-recepção da cobrança impositiva da contribuição sindical prevista na Consolidação das Leis do Trabalho”, em seus arts. 579, 582, 583 e 587 (fls. 03).
Sustenta-se, na presente sede de controle normativo abstrato, que a cobrança compulsória prevista em referidas normas legais está “em colisão com os preceitos fundamentais insculpidos no inciso XX do art. 5º e no inciso V do art. 8º, todos da Constituição
Federal” (fls. 03 – grifei).
Eis, no ponto, os aspectos essenciais ressaltados na presente argüição de descumprimento de preceito fundamental(fls. 05/09):
“Os artigos 579, 582, 583 e 587 da Consolidação da Leis do Trabalho instituem a obrigatoriedade de cobrança da vetusta contribuição sindical, mais conhecida como imposto sindical.
Mais do que a constatação do caráter anacrônico do instituto ora guerreado, é curial examinar sua adequação aos preceitos fundamentais da nova ordem constitucional, inaugurada em 05 de outubro de 1988.
O inciso XX do art. 5° da Constituição determina o seguinte:
‘ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado’
Já o inciso V do art. 8° do Estatuto Político, por sua vez, estabelece:
‘ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se
filiado a sindicato’
Nesta perspectiva, urge indagar-se: se não há obrigatoriedade de filiação a sindicato, faz algum sentido a obrigatoriedade de pagamento de uma contribuição para a manutenção do sistema sindical? Não seria esta obrigatoriedade uma clara violação à liberdade de associação?
Notem que a inconstitucionalidade ora vergastada não reside propriamente na previsão legal da contribuição sindical, mas sim na sua natureza compulsória. O fato de a contribuição sindical ser obrigatória é que a torna contrária aos preceitos constitucionais apontados como violados. Exsurge aí um descompasso insolúvel entre a norma prevista na CLT e a Lei Maior, que deve ser resolvido
em controle concentrado de constitucionalidade. Trata-se aqui de uma questão que vai muito além da simples oposição ou inconformismo à cobrança compulsória de uma contribuição injusta. Cuida-se, na realidade, do acatamento à supremacia
constitucional.
Poder-se-ia alegar que a própria Constituição prevê a existência da contribuição sindical, no inciso IV do art. 8° e na cabeça do art. 149. Mas tais dispositivos não fazem qualquer referência à obrigatoriedade da contribuição. É a Consolidação das Leis do Trabalho que torna impositivo o pagamento da contribuição sindical. E é esta imposição que viola o princípio da liberdade de
associação.
Ademais, não há que se falar em contradições dentro da Constituição, pois elas devem ser resolvidas com a aplicação da teoria da ponderação de interesses para a solução dos conflitos principiológicos, teoria esta desenvolvida por Robert Alexy na obra ‘Teoria de Los Derechos Fundamentales’. A ponderação de interesses é a técnica destinada a solucionar as colisões entre os vários
princípios que refletem, em verdade, os diversos valor esexistentes em uma sociedade pluralista.
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Isto posto, resta patente que é perfeitamente cabível a aplicação da teoria da ponderação de interesses perante esta jurisdição constitucional, mesmo em se tratando de controle concentrado de constitucionalidade.
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Ocorre que estas aparentes contradições que coexistem dentro da Constituição precisam ser enfrentadas pelo hermeneuta. Não basta simplesmente constatar a discrepância. Neste mister, é preciso compatibilizar este aparente conflito, por meio da técnica da ponderação de interesses, na busca da interpretação que seja mais adequada aos postulados do Estado democrático de direito, que não admite imposições no que se refere à liberdade de associação.
A contribuição sindical, não há como negar, de fato encontra agasalho na Carta Política, como mencionado alhures. Mas o mesmo não se pode dizer, contudo, da obrigatoriedade de sua cobrança.
É exatamente este aspecto compulsório da contribuição sindical que representa a mais nítida violação ao princípio da liberdade de associação. Obriga-se mesmo àquelas pessoas que não são filiadas a algum sindicato a sustentar o sistema sindical, que eventualmente e em tese pode até mesmo se posicionar contrariamente a interesses do ‘contribuinte’.
A aparente legitimidade da contribuição sindical escamoteia seu real significado, que consiste no descumprimento, ainda que por vias oblíquas, da liberdade de associação e sindicalização. Por quê razão alguém deveria prover financeiramente um sindicato se não é filiado a ele?
A contribuição confederativa, por sua vez, é justificável e plenamente defensável, pois só é paga por quem voluntariamente, é filiado a algum sindicato.
É por tais motivos que se vislumbra necessária a declaração de não-recepção, com a conseqüente revogação dos dispositivos ergastados.” (grifei) Reconheço, preliminarmente, a legitimidade ativa “ad causam” da agremiação partidária ora argüente, considerado o que estabelece o art. 2º, I, da Lei nº 9.882/99, c/c o art. 103, VIII, da Constituição Federal, eis que se trata de partido político com representação na Câmara dos Deputados, o que lhe basta para conferir – consoante adverte o magistério da doutrina (GILMAR FERREIRA MENDES, “Argüição de descumprimento de preceito fundamental”, p. 94, item n. 1.1.4, 2007, IDP/Saraiva) – a prerrogativa extraordinária de ajuizar, perante o Supremo Tribunal Federal, a presente ação constitucional.
Vale referir, neste ponto, a jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou a propósito da legitimação dos partidos políticos para agir em sede de fiscalização concentrada de constitucionalidade:
“PARTIDO POLÍTICO E PERTINÊNCIA TEMÁTICA NAS AÇÕES
DIRETAS.
– Os Partidos Políticos com representação no Congresso Nacional acham-se incluídos, para efeito de ativação da jurisdição constitucional concentrada do Supremo Tribunal Federal, no rol daqueles que possuem legitimação ativa universal, gozando, em conseqüência, da ampla prerrogativa de impugnar qualquer ato normativo do Poder Público, independentemente de seu conteúdo material.
A posição institucional dos Partidos Políticos no sistema consagrado pela Constituição do Brasil confere-lhes o poder-dever de, mediante instauração do controle abstrato de constitucionalidade perante o STF, zelar tanto pela preservação da supremacia normativa da Carta Política quanto pela defesa da integridade jurídica do ordenamento consubstanciado na Lei Fundamental da República.
A essencialidade dos partidos políticos, no Estado de Direito, tanto mais se acentua quando se tem em consideração que representam eles um instrumento decisivo na concretização do princípio democrático e exprimem, na perspectiva do contexto histórico que conduziu à sua formação e institucionalização, um dos meios fundamentais no processo de legitimação do poder estatal, na exata medida em que o Povo – fonte de que emana a soberania nacional – tem, nessas agremiações, o veículo necessário ao desempenho das funções de regência política do Estado.
O reconhecimento da legitimidade ativa das agremiações partidárias para a instauração do controle normativo abstrato, sem as restrições decorrentes do vinculo de pertinência temática, constitui natural derivação da própria natureza e dos fins institucionais que justificam a existência, em nosso sistema normativo, dos Partidos Políticos. (…).” (RTJ 158/441-442, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno) Vê-se, daí, que a agremiação partidária em questão dispõe de qualidade para fazer instaurar este processo objetivo e, em conseqüência, para argüir o descumprimento de preceito fundamental.
Cumpre verificar, agora, se se revela cabível, ou não, na espécie, a utilização da argüição de descumprimento de preceito
fundamental, em face do que prescreve o art. 4º, § 1º, da Lei nº 9.882/99, que assim dispõe:
“Não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade.” (grifei) O diploma legislativo em questão – tal como tem sido reconhecido por esta Suprema Corte (RTJ 189/395-397, v.g.) – consagra o princípio da subsidiariedade, que rege a instauração do processo objetivo de argüição de descumprimento de preceito fundamental, condicionando o ajuizamento dessa especial ação de índole constitucional à ausência de qualquer outro meio processual apto a sanar, de modo eficaz, a situação de lesividade indicada pelo autor:
“- O ajuizamento da ação constitucional de argüição de descumprimento de preceito fundamental rege-se peloprincípio da subsidiariedade (Lei nº 9.882/99, art. 4º, § 1º), a significar que não será ela admitida, sempre que houver qualquer outro meio juridicamente idôneo apto a sanar, com efetividade real, o estado de lesividade emergente do ato impugnado. Precedentes: ADPF 3/CE, ADPF 12/DF ADPF 13/SP.
A mera possibilidade de utilização de outros meios processuais, contudo, não basta, só por si, para justificar a invocação do princípio da subsidiariedade, pois, para que esse postulado possa legitimamente incidir – impedindo, desse modo, o acesso imediato à argüição de descumprimento de preceito fundamental – revela-se essencial que os instrumentos disponíveis mostrem-se capazes de neutralizar, de maneira eficaz, a situação de lesividade que se busca obstar com o ajuizamento desse writ constitucional.
– A norma inscrita no art. 4º, § 1º da Lei nº 9.882/99 – que consagra o postulado da subsidiariedade – estabeleceu, validamente, sem qualquer ofensa ao texto da Constituição, pressuposto negativo de admissibilidade da argüição de descumprimento de preceito fundamental, pois condicionou, legitimamente, o ajuizamento dessa especial ação de índole constitucional, à observância de um inafastável requisito de procedibilidade, consistente na ausência de qualquer outro meio processual revestido de aptidão para fazer cessar, prontamente, a situação de lesividade (ou de potencialidade danosa) decorrente do ato impugnado.” (RTJ 184/373-374, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno) O exame do precedente que venho de referir (RTJ 184/373-374, Rel. Min. CELSO DE MELLO) revela que o princípio da subsidiariedade não pode – nem deve – ser invocado para impedir o exercício da ação constitucional de argüição de descumprimento de preceito fundamental, eis que esse instrumento está vocacionado a viabilizar, numa dimensão estritamente objetiva, a realização jurisdicional de direitos básicos, de valores essenciais e de preceitos fundamentais contemplados no texto da Constituição da República.
Se assim não se entendesse, a indevida aplicação do princípio da subsidiariedade poderia afetar a utilização dessa relevantíssima ação de índole constitucional, o que representaria, em última análise, a inaceitável frustração do sistema de proteção, instituído na Carta Política, de valores essenciais, de preceitos fundamentais e de direitos básicos, com grave comprometimento da própria efetividade da Constituição. Daí a prudência com que o Supremo Tribunal Federal deve interpretar a regra inscrita no art. 4º, § 1º, da Lei nº 9.882/99, em ordem a permitir que a utilização dessa nova ação constitucional
possa efetivamente prevenir ou reparar lesão a preceito fundamental causada por ato do Poder Público.
Não é por outra razão que esta Suprema Corte vem entendendo que a invocação do princípio da subsidiariedade, para não conflitar
com o caráter objetivo de que se reveste a argüição de descumprimento de preceito fundamental, supõe a impossibilidade de
utilização, em cada caso, dos demais instrumentos de controle normativo abstrato: “(…) 6. Cabimento de argüição de descumprimento de preceito fundamental para solver controvérsia sobre legitimidade de lei ou ato normativo federal, estadual
ou municipal, inclusive anterior à Constituição (norma pré-constitucional) (…). 9. ADPF configura modalidade de integração entre os modelos de perfil difuso e concentrado no Supremo Tribunal Federal. 10. Revogação da lei ou ato normativo não impede o exame da matéria em sede de ADPF, porque o que se postula nessa ação é a declaração de ilegitimidade ou de não-recepção da norma pela ordem constitucional superveniente (…). 13. Princípio da subsidiariedade (art. 4º, § 1º, da Lei nº 9.882/99): inexistência de outro meio eficaz de sanar a lesão, compreendido no contexto da ordem constitucional global, como aquele apto a solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata. 14. A existência de processos ordinários e recursos extraordinários não deve excluir, ‘a priori’, a utilização da argüição de descumprimento de preceito fundamental, em
virtude da feição marcadamente objetiva dessa ação (…).” (ADPF 33/PA, Rel. Min. GILMAR MENDES – grifei) A pretensão ora deduzida nesta sede processual, que tem por objeto normas legais de caráter pré-constitucional, exatamente por se revelar insuscetível de conhecimento em sede de ação direta de inconstitucionalidade (RTJ 145/339, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 169/763, Rel. Min. PAULO BROSSARD – ADI 129/SP, Rel. p/ o acórdão Min. CELSO DE MELLO, v.g.), não encontra obstáculo na regra inscrita no art. 4º, § 1º, da Lei nº 9.882/99, o que permite – satisfeita a exigência imposta pelo postulado da subsidiariedade – a instauração deste processo objetivo de controle normativo concentrado. Reconheço admissível, pois, sob a perspectiva do postulado da ubsidiariedade, a utilização do instrumento processual da argüição de descumprimento de preceito fundamental.
Tenho para mim, de outro lado, superado esse aspecto prévio da controvérsia jurídica ora em exame, que as normas de parâmetro
invocadas pelo argüente (CF, art. 5º, XX, e art. 8º, V) consagram uma prerrogativa básica e geral, consistente na liberdade de associação (CF, art. 5º, XX) – inclusive em sua projeção no domínio sindical (CF, art. 8º, V) -, que se qualifica, para efeito de instauração deste processo objetivo, como típico preceito de caráter fundamental. É de extrema importância reconhecer, desde logo, que, sob a égide da vigente Constituição, intensificou-se, em face de seu inquestionável sentido de fundamentalidade, o grau de proteção jurídica dispensada à liberdade de associação, na medida em que, ao contrário do que dispunha a Carta anterior, nem mesmo durante a vigência do estado de sítio se torna lícito suspender o exercício concreto dessa prerrogativa essencial.
O regime constitucional anterior, considerados os mecanismos extraordinários de defesa do Estado, tornava lícito, ao
Poder Público, na vigência das medidas de emergência, do estado de emergência e do estado de sítio, suspender, temporariamente, o exercício da liberdade de reunião e da liberdade de associação. Hoje, porém, tal não mais se revela possível, pois, quer sob a égide do estado de defesa, quer na vigência do estado de sítio, a liberdade de associação mantém-se íntegra e inatingível (CF/88, art. 136, § 1º, e art. 139).
Cumpre assinalar, de outro lado, que o direito de associação – que constitui típica liberdade de ação coletiva (JEAN RIVERO, “Les Libertés Publiques”, vol. 2/325, 1977, Presses Universitaires de France) – tem uma dimensão positiva, pois assegura, a qualquer pessoa (física ou jurídica), o direito de associar-se e de formar associações. Também possui uma dimensão negativa, pois garante, a qualquer pessoa, o direito de não se associar, nem de ser compelida a filiar-se ou a desfiliar-se de determinada entidade. O conteúdo jurídico da liberdade de associação foi bem delineado por JORGE MIRANDA (“Manual de Direito Constitucional”, p. 476/478, Tomo IV, 3ª ed., 2000, Coimbra Editora), em magistério que vale transcrever “in extenso”: “I – O direito de associação apresenta-se como um direito complexo, com múltiplas dimensões – individual e institucional, positiva e negativa, interna e externa – cada qual com a sua lógica própria, complementares umas das outras e que um sistema jurídico- onstitucional coerente com princípios de liberdade deve desenvolver e harmonizar.
II – Antes de mais, é um direito individual, positivo enegativo:
1.°) O direito de constituir com outrem associações
para qualquer fim não contrário à lei penal e o direito
de aderir a associações existentes, verificados os
pressupostos legais e estatutários e em condições de
igualdade;
2.°) O direito de não ser coagido a inscrever-se ou
a permanecer em qualquer associação, ou a pagar
quotizações para associação em que se não esteja
inscrito, e, no limite, o direito de deliberar a
dissolução de associação a que se pertença.
Este direito tem a natureza de liberdade enquanto não
implica, para nenhum efeito, a dependência de autorização
de qualquer tipo ou de qualquer intervenção administrativa.
III – Revela-se depois um direito institucional, a
liberdade das associações constituídas:
1.°) Internamente, o direito de auto-organização, de
livre formação dos seus órgãos e da respectiva vontade
e de acção em relação aos seus membros;
2.°) Externamente, o direito de livre prossecução
dos seus fins, incluindo o de filiação ou participação
em uniões, federações ou outras organizações de âmbito
mais vasto;
3.°) Como corolário, a susceptibilidade de
personificação – se a atribuição de subjectividade
jurídica, sem condicionalismos arbitrários ou
excessivos, for o meio mais idôneo para tal prossecução
de fins;
4.°) Como garantias, a vedação de intervenções
arbitrárias do poder político.
A liberdade ou autonomia interna das associações
acarreta a existência de uma vontade geral ou colectiva, o
confronto de opiniões para a sua determinação, a distinção
de maiorias e minorias. Daí a necessidade de observância do
método democrático e das regras em que se consubstancia, ao
lado da necessidade de garantia dos direitos dos associados. À lei e aos estatutos cabe prescrever essas
regras e essas garantias, circunscrevendo, assim, a
actuação dos órgãos associativos, mas não a liberdade de
associação (devidamente entendida).
IV – Na liberdade negativa de associação manifestam-se,
talvez mais do que noutras zonas, a dimensão individual do
direito e a exigência de respeito tanto por parte do Estado
como por parte de quaisquer outras entidades, públicas e
privadas. (…).
Esse respeito não se traduz apenas na não sujeição de
quem quer que seja – cidadão, trabalhador, consumidor, etc. –
à filiação automática, por força de certa qualidade, numa
associação, ou na não sujeição a um dever de inscrição.
Traduz-se também, pela lógica das coisas e pela própria
coerência e autenticidade do sistema jurídico, na não
criação de quaisquer desvantagens por não se pertencer a
esta ou àquela associação, política, sindical, ou outra.
Não basta reconhecer formalmente o direito de ser ou
deixar de ser membro duma associação. Importa ainda que,
por via directa, a lei não institua um ônus; não faça
depender o acesso a qualquer estado ou condição ou o
exercício de qualquer direito da pertença a uma associação;
não constranja, na prática, as pessoas a entrar para uma
associação a fim de não sofrerem algum inconveniente ou
obterem algum benefício; não acabe por estabelecer, sem
necessidade ou sem base objectiva, uma diferenciação entre
os cidadãos contrária ao princípio fundamental da
igualdade.” (grifei)
O argüente, tendo em consideração o sentido de
fundamentalidade que qualifica o direito de associação, inclusive em
âmbito sindical, sustenta que a compulsoriedade da prestação
pecuniária concernente à contribuição sindical, a ser recolhida,
anualmente, por aqueles que compõem as diversas categorias
econômicas e profissionais, independentemente de serem filiados, ou
não, às entidades sindicais representativas dessas mesmas categorias,
mostra-se incompatível com o vigente modelo constitucional, que
consagra referida liberdade de ação coletiva.
Daí a pretensão em exame, que objetiva ver declarada “a
não-recepção (…) dos artigos 579, 582, 583 e 587 da Consolidação
das Leis do Trabalho (…)” (fls. 10 – grifei).
Não se pode desconhecer, contudo, no exame da controvérsia
em questão, que a “obrigatoriedade da contribuição sindical”
(fls. 09), prevista no próprio texto constitucional (CF, art. 8º,
IV, “in fine”, e art. 149), resulta da circunstância de referida contribuição qualificar-se como modalidade tributária, subsumindo-se
à noção mesma de tributo (CTN, art. 3º e art. 217, I), considerado,
sob tal perspectiva, o que dispõem os preceitos constitucionais
acima mencionados, notadamente o que se contém no art. 149 da Lei
Fundamental.
É importante referir, neste ponto, que o magistério da
doutrina reconhece que as contribuições sindicais, consideradas
exações de caráter corporativo, revestem-se de natureza tributária
(CF, art. 149, “caput”), sendo exigíveis, por isso mesmo, de modo
compulsório (como ocorre com qualquer tributo), daqueles que se
acham identificados, na norma legal definidora da hipótese de
incidência, como sujeitos passivos da obrigação tributária (LEANDRO
PAULSEN, “Direito Tributário”, p. 167/168, 8ª ed., 2006, Livraria do
Advogado/Esmafe; LUIZ FELIPE SILVEIRA DIFINI, “Manual de Direito
Tributário”, p. 53, item n. 3.4, 2ª ed., 2005, Saraiva; FLÁVIA
MOREIRA PESSOA, “Contribuições Sindical, Confederativa, Associativa
e Assistencial: Natureza e Regime Jurídicos”, “in” Revista do
TRT/19ª Região nº 1/2004, vol. 9/103-112, v.g.).
Vale rememorar, por relevante, a propósito desse tema, a
valiosa lição de SERGIO PINTO MARTINS (“Contribuições Sindicais:
Direito Comparado Internacional – Contribuições Assistencial,
Confederativa e Sindical”, p. 57/59, itens ns. 5.2, 5.3 e 5.4,
3ª ed., 2001, Atlas), cujo entendimento – após distinguir as
diversas fontes de receita das entidades sindicais – orienta-se no
sentido de qualificar a denominada contribuição sindical como uma
típica modalidade de tributo:
“Contribuição sindical é a prestação pecuniária,
compulsória, tendo por finalidade o custeio de atividades
essenciais do sindicato e outras previstas em lei.
A contribuição sindical envolve uma obrigação de dar,
de pagar. É pecuniária, pois será exigida em dinheiro. Tem
natureza compulsória, visto que independe da pessoa ter ou
não interesse de contribuir para os sindicatos, porque o
vínculo obrigacional decorre da previsão da lei, que
determina o recolhimento (…).
……………………………………………….
O constituinte pretendeu manter duas contribuições no
inciso IV, do art. 8º da Lei Maior. Uma, que é prevista em
lei, denominada ‘contribuição sindical’, e outra fixada
pela assembléia geral do sindicato (‘contribuição
confederativa’).
……………………………………………….
Não se confunde a contribuição sindical, prevista em
lei, com a contribuição confederativa, encontrada no inciso IV do art. 8º da Constituição, pois esta última visa
apenas ao custeio do sistema confederativo, sendo fixada
pela assembléia geral. A contribuição sindical tem natureza
jurídica tributária, de acordo com a previsão da
Constituição (art. 8º, IV, c/c art. 149) e do CTN
(art. 217, I), sendo fixada em lei. É, portanto,
compulsória, independendo da vontade dos contribuintes de
pagarem ou não o referido tributo, ou de a ele se oporem,
enquanto a outra, em nosso modo de ver, é facultativa. A
contribuição sindical, porém, tem natureza tributária,
enquanto a contribuição confederativa não a possui. O
produto da arrecadação da contribuição sindical está
previsto no art. 592 da CLT, sendo aplicada em assistência
jurídica, médica, odontológica, cooperativas, creches,
colônias de férias etc. A contribuição confederativa
destina-se ao custeio do sistema confederativo, tendo
natureza privada.
Distingue-se, ainda, a contribuição sindical da
contribuição assistencial, pois esta não é prevista em lei,
mas em acordos, convenções ou dissídios coletivos. A
finalidade da contribuição assistencial é custear as
despesas incorridas pelo sindicato nas negociações
coletivas, enquanto a contribuição sindical tem por
objetivo custear, de um modo geral, as despesas do
sindicato.
Diferencia-se, também, a contribuição sindical da
contribuição associativa ou mensalidade sindical, pois esta
é paga apenas pelos sócios do sindicato em razão dessa
condição, enquanto a contribuição sindical é devida pela
categoria, tanto pelo sócio, como pelo não filiado à
agremiação.
……………………………………………….
A natureza jurídica da contribuição sindical é
tributária, pois se encaixa na orientação do art. 149 da
Constituição, como uma contribuição de interesse das
categorias econômicas e profissionais, pois tal comando
legal se inclui na Constituição no Capítulo I (Do Sistema
Tributário Nacional), do Título VI (Da Tributação e do
Orçamento).
Verificando-se a redação do art. 3º do CTN, nota-se que
tributo é a prestação pecuniária, compulsória, em moeda ou
cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção
de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante
atividade administrativa plenamente vinculada.
Contribuição sindical é uma prestação pecuniária, por
ser exigida em moeda ou valor que nela se possa exprimir.
É compulsória, pois independe da vontade da pessoa em contribuir para a ocorrência do vínculo jurídico.
É prevista em lei, nos arts. 578 a 610 da CLT. Não se
constitui em sanção de ato ilícito. É ainda cobrada
mediante atividade administrativa plenamente vinculada, que
é o lançamento, feito pelo fiscal do trabalho.
Sendo o fato gerador da contribuição sindical de
tributo, persiste sua natureza tributária, dependendo de
lei para ser instituída e cobrada, além de ter de respeitar
o princípio da anterioridade para sua exigência. Há também
necessidade de lei para aumento de alíquota, base de
cálculo, criação de novos contribuintes etc.” (grifei)
Essa mesma orientação reflete-se na jurisprudência desta
Suprema Corte (AI 546.617/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA –
AI 582.897/MG, Rel. Min. CEZAR PELUSO – RE 198.092/SP, Rel. Min.
CARLOS VELLOSO – RE 277.654/SP, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA –
RE 302.221/RJ, Rel. Min. EROS GRAU, v.g.), cujas decisões, na
matéria, após distinguirem a contribuição sindical das contribuições
de natureza confederativa e daquelas de índole assistencial,
qualificam-na como espécie de caráter tributário, exigível,
compulsoriamente, dos integrantes da categoria econômica ou
profissional, independentemente de filiação sindical, acentuando,
ainda, que a compulsoriedade da cobrança de referida contribuição
sindical, exatamente porque fundada no próprio texto da Constituição
(CF, art. 8º, IV, “in fine”, e art. 149, “caput”), com este não
conflita:
“Sindicato: contribuição sindical da categoria:
recepção.
A recepção pela ordem constitucional vigente da
contribuição sindical compulsória, prevista no art. 578 CLT
e exigível de todos os integrantes da categoria,
independentemente de sua filiação ao sindicato, resulta do
art. 8º, IV, ‘in fine’, da Constituição; não obsta à
recepção a proclamação, no ‘caput’ do art. 8º, do princípio
da liberdade sindical, que há de ser compreendido a partir
dos termos em que a Lei Fundamental a positivou, nos quais
a unicidade (art. 8º, II) e a própria contribuição sindical
de natureza tributária (art. 8º, IV) – marcas
características do modelo corporativista resistente -, dão
a medida da sua relatividade (cf. MI 144, Pertence,
RTJ 147/868, 874); nem impede a recepção questionada a
falta da lei complementar prevista no art. 146, III, CF, à
qual alude o art. 149, à vista do disposto no art. 34,
§§ 3º e 4º, das Disposições Transitórias (cf. RE 146733,
Moreira Alves, RTJ 146/684, 694).”
(RE 180.745/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei) “CONSTITUCIONAL. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL RURAL. NATUREZA
TRIBUTÁRIA. RECEPÇÃO.
I. – A contribuição sindical rural, de natureza
tributária, foi recepcionada pela ordem constitucional
vigente, sendo, portanto, exigível de todos os integrantes
da categoria, independentemente de filiação à entidade
sindical. Precedentes.
II. – Agravo não provido.”
(AI 498.686-AgR/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – grifei)
“Agravo de instrumento. 2. Contribuição sindical rural.
Decreto-Lei nº 1.166, de 15 de novembro de 1971. Natureza
tributária. Integrantes das categorias profissionais ou
econômicas, ainda que não filiados a sindicato. Exigência.
3. Acórdão recorrido em consonância com a jurisprudência
desta Corte. 4. Lei nº 8.847, de 28 de janeiro de 1994.
Transferência da competência de administração e cobrança da
contribuição sindical rural para o Incra. Legitimidade.
Agravo de instrumento a que se nega provimento.”
(RTJ 193/413, Rel. Min. GILMAR MENDES – grifei)
Sendo esse o contexto, e considerando as razões que venho
de expor – que aparentemente descaracterizariam a plausibilidade
jurídica da pretensão cautelar ora em exame -, entendo conveniente
proceder na forma do art. 5º, § 2º, da Lei nº 9.882/99, solicitando
prévias informações ao Senhor Presidente da República e a ambas as
Casas do Congresso Nacional.
Os ofícios em questão deverão ser instruídos com cópia do
presente despacho.
Publique-se.
Brasília, 19 de dezembro de 2007.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator