DESPACHO
Relator: Ministro Celso de Mello
Data: 19 de dezembro de 2007
Processo: Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)
Partes: Partido Popular Socialista – PPS (Requerente)
1. Objeto da Ação
Trata-se de arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) proposta pelo Partido Popular Socialista – PPS, com o objetivo de que o Supremo Tribunal Federal (STF) declare a não-recepção da cobrança impositiva da contribuição sindical, prevista nos arts. 579, 582, 583 e 587 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
2. Fundamentos Jurídicos Alegados
O partido sustenta que a obrigatoriedade da cobrança da contribuição sindical, prevista nos artigos mencionados da CLT, colide com os preceitos fundamentais da Constituição Federal, especialmente:
Art. 5º, XX: “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado.”
Art. 8º, V: “ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato.”
Alega-se que a natureza compulsória da contribuição viola a liberdade de associação, pois obriga mesmo os não filiados a sindicatos a arcarem com o custeio do sistema sindical. O problema não seria a existência da contribuição em si, mas a sua obrigatoriedade legal imposta pela CLT, o que seria incompatível com os princípios da Constituição de 1988.
3. Aplicação da Teoria da Ponderação de Interesses
O partido argumenta que, em caso de conflito aparente entre dispositivos constitucionais, deve-se aplicar a teoria da ponderação de interesses, conforme doutrina de Robert Alexy. Esta técnica busca harmonizar princípios constitucionais em tensão, como ocorre entre a previsão legal da contribuição e a garantia da liberdade de associação.
4. Legitimidade Ativa
Reconheço a legitimidade ativa “ad causam” do PPS, nos termos do art. 103, VIII da CF e art. 2º, I da Lei nº 9.882/99, por se tratar de partido político com representação na Câmara dos Deputados, conforme pacífica jurisprudência do STF (cf. RTJ 158/441-442).
5. Admissibilidade da ADPF – Princípio da Subsidiariedade
Nos termos do art. 4º, § 1º da Lei nº 9.882/99, a ADPF é admissível quando não houver outro meio eficaz para sanar a lesividade. A jurisprudência da Corte (cf. ADPF 33/PA; RTJ 184/373-374) reconhece que a mera existência de ação ordinária ou recurso extraordinário não exclui a via da ADPF, dado seu caráter objetivo e abrangente.
Ademais, por se tratar de normas legais pré-constitucionais (anteriores à CF/88), a presente arguição não poderia ser manejada via ação direta de inconstitucionalidade, sendo cabível a ADPF como instrumento processual adequado.
6. Fundamentação Constitucional do Direito de Associação
A Constituição de 1988 intensificou a proteção à liberdade de associação, inclusive no campo sindical, impedindo sua suspensão até mesmo durante estado de defesa ou de sítio (CF, art. 136, § 1º e art. 139). O direito de associação apresenta:
Dimensão positiva: direito de associar-se;
Dimensão negativa: direito de não se associar nem ser compelido a isso.
Conforme doutrina de Jorge Miranda, a imposição de contribuição sem vínculo associativo afronta essa liberdade, pois estabelece um ônus sem consentimento ou filiação, contrariando o princípio da igualdade e liberdade individual.
7. Contraponto: A Contribuição Sindical como Tributo
Por outro lado, a contribuição sindical prevista na CLT encontra respaldo constitucional, especificamente:
CF, art. 8º, IV (in fine);
CF, art. 149.
A doutrina majoritária (Leandro Paulsen, Luiz Felipe Silveira Difini, Flávia Moreira Pessoa e Sergio Pinto Martins) reconhece que a contribuição sindical possui natureza tributária, sendo uma exação compulsória devida por todos que compõem a categoria econômica ou profissional, independentemente de filiação sindical.
A jurisprudência do STF também confirma essa interpretação, qualificando a contribuição sindical como tributo (cf. RE 180.745/SP, RE 198.092/SP, AI 498.686-AgR/SP, entre outros).
8. Distinção entre Contribuições Sindicais
A jurisprudência e doutrina destacam diferenças entre as diversas contribuições sindicais:
Contribuição sindical (CF, art. 8º, IV + art. 149): obrigatória, com natureza tributária;
Contribuição confederativa: voluntária, destinada aos filiados, com natureza privada;
Contribuição assistencial: prevista em acordo ou convenção coletiva;
Contribuição associativa: restrita aos sócios do sindicato.
9. Conclusão e Providência
Considerando as alegações e o conteúdo jurídico exposto:
Defiro a tramitação da ADPF;
Determino o encaminhamento de ofícios ao Senhor Presidente da República e às Casas do Congresso Nacional, para que prestem informações prévias (art. 5º, § 2º da Lei nº 9.882/99);
Os ofícios devem ser acompanhados de cópia integral deste despacho.
Publique-se.
Brasília, 19 de dezembro de 2007.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator


